quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Sobre o sentido da vida


Minha avó vai fazer 100 anos em setembro e está velhinha, é cadeirante e sofre de Alzheimer. Ela teve uma história de vida intensa, numa época que tudo era muito difícil e sofrido, trabalhou na roça desde muito nova, casou-se muito cedo e continuou trabalhando muito e muito pesado por toda a sua vida. Teve 10 filhos, um morreu ainda criança, minha mãe e meu padrinho morreram quando a idade dela já avançava. Enterrando três dos 10 filhos ainda sobrariam 7, mas, bem, uma filha e uma nora se revezam nos cuidados. Menos de 10 netos, dos mais de 20, a visitam com constância. E percebo que o fim da vida pode ser solitário, mesmo para quem teve tanto parto.

Mas a gente sabe que a vida é corrida, cada qual com sua vida, e na correria dos dias, no ganha pão de cada dia, o tempo passa atropelando e não sobra muito tempo pra visitar a vó velhinha. Então propus nos reunirmos mais, afinal a despedida se aproxima, se não vai ela posso ir eu e, mesmo que ela não se lembre quem eu sou, eu (ainda) me lembro muito bem quem ela é!

Na reunião desse mês aproveitamos para comemorar o aniversário de uma das tias que cuida dela e uma das netas que sempre está por lá. Fizemos churrasco. Cheguei antes e passei a tarde numa conversinha tipicamente mineira, com aquele cafezinho tipicamente paulista! E naquele dia ela estava lúcida, me chamando pelo nome, consciente de quem eu sou e até fazendo piada com os quilos que eu ganhei nos últimos meses "Mas Janaina, a Vó tá achando que você aumentou?". Aumentei Vó! Aumentei e não estou conseguindo diminuir mais (risos).

Depois ela me disse que não poderia ficar para o churrasco, que tinha que trabalhar. Minha tia explicou que era sábado, que já havia trabalhado muito no dia anterior e que no sábado ela poderia descansar, mas que nada, ela queria mesmo era ir pro "cafezá", tal como deve ter feito muitas vezes na vida durante a sua mocidade.

Então ela descreveu aquele imenso cafezal, com mais de 200 pessoas contratadas para a colheira do café. Colhiam o café, espalhavam no terreiro pra secar, torravam nos fornos à lenha e depois processavam os grãos torrados. Já usavam máquinas, nada de pilão e processo manual. A fazenda era muito moderna, me dizia ela. Na hora de dormir espalhavam grandes esteiras pelo rancho, no chão. Por cima um acolchoado, e dormiam todos juntos. Na hora de comer era uma tristeza, muito trabalho e pouca comida, mas o trabalho era bem pago, recebiam ao final do dia, todos os dias.

Mais tarde minha irma chegou trazendo alguns dos bisnetos e a bisneta caçula, com menos da metade de um ano inteiro de vida. O encontro das duas é sempre cheio de muita emoção, fico com o sentimento de que estão se reencontrando e ao mesmo tempo se despedindo. Minha avó sorri e chora, sempre fica muito emocionada. E a pequena com seu olhar repleto de expressão parece dizer "sim, eu sei, estamos juntas novamente por um breve período e para sempre".



Ah essas minhas elucubrações de uma mente que busca o sentido da vida e ao deparar com espíritos separados por 99 anos que, ao se reencontrarem, expressam no olhar uma explosão de alegria e amor, percebe que encontrou! O amor!

E a vida segue... A pequena Helena que acaba de chegar. A bela Rita que ensaia sua partida. E quantas despedidas entre essas duas vidas? Quantos reencontros e quantas partidas? O quanto de Rita ficará em Helena? O quanto de Helena partirá com Rita? Helena, que provavelmente nunca fará uma colheita de café! Rita, que não faz ideia da existência dos smartphones e redes sociais! Duas gerações tão separadas e tão unidas, pelo sentimento de continuidade e amor!