terça-feira, 21 de abril de 2020

Diário de quarentena

36º dia de quarentena, daqui há quatro dias estarei reclusa por um período de tempo condizente com o nome. Nesse período tenho saído de casa um vez na semana para idas rápidas ao supermercado, geralmente aos sábados bem cedo para evitar os horários de movimento nos estabelecimentos. O trabalho em home office está funcionando bem, rendimentos muito próximos aos do trabalho presencial, minha casa é meu templo, onde sinto paz, onde consigo me concentrar e produzir. Sei que do alto de todos os meus privilégios, estar em casa é um acalento e não uma prisão!



E talvez seja o que mais me incomoda e dói, saber que não estamos "todos" no mesmo barco como o senso comum propaga incansavelmente nas redes sociais. Sequer estamos sob a mesma tempestade, que pra uns é seca e árida, sequer uma gota d'água para lavar as mãos, sequer um prato de comida para saciar a fome, sequer um amor para apaziguar o medo... E muitos desses já estavam nessa tempestade de fome e desamor antes da Pandemia, onde estávamos que não víamos??? Para outros, encharcados daquela chuva fértil, solo promissor de sementes que germinarão depois da tormenta, a mesa continua farta e o álcool gel, no armário! Não estamos no mesmo barco! Esse pensamento me incomoda demais! E vejo que o primeiro passo para mudar a realidade é ter consciência dessa realidade, diferente de pessimismo, e talvez diferente de otimismo! Como diria Ariano Suassuna: um realismo esperançoso!


Mas, para além da esperança, é necessário chocar-se! E para chocar-se é preciso sair do senso comum e conhecer a realidade! E mais que conhecer: RE-conhecer. Reconhecer o lugar de privilégios onde estamos! Sentir o estômago embrulhado! Sentir a lágrima salgada! Ver! E então, com aquele bolo entalado na garganta, iniciar os movimentos da mudança que podem nos tirar a sensação de incômodo! Com essa ideia trago a tona o segundo senso comum que tenho visto e lido muito nas redes sociais: Depois da Pandemia o mundo será outro! Como se num passe de mágica as pessoas ficassem boas, caridosas, empáticas, conscientes de suas atitudes para com o Planeta e bla, bla, bla... O mundo pós pandemia não traz em si a concretização das mudanças positivas que tanto necessitamos, muito menos as atitudes tão necessárias e que já conhecemos e trabalhamos há anos, falando de sustentabilidade, crise ambiental, colapso das sociedades, consumo, etc, etc, etc. Ele até traz a semente disso tudo, mas precisa ser regada, cuidada, podada, acarinhada e trabalhada. E, além de todo o bem, haverão sementes ruins junto, muitas, do fascismo, do egoísmo, do materialismo exacerbado, do consumismo, da degradação ambiental, da exploração e crueldade animal...


Mancha urbana da cidade de São Paulo - Imagem Landsat 219/76 de 30/08/2018

Até aqui foram 36 dias, necessários para entender que talvez o nosso principal trabalho não seja agora, durante a quarentena. Agora talvez seja nosso momento de reclusão, de cuidarmos de nós mesmos e dos nossos, com recursos materiais ou afeto! Depois haverá muita terra para arar, muita semente ruim para arrancar e muita semente boa para adubar!
Janaina Maia, São José dos Campos, Outono, 21 de abril de 2020 - Auge da Pandemia Mundial do Covid-19.